A construção Eletrônica

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Leandro
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A construção Eletrônica

Mensagem por Leandro »

Elaboradíssimos programas de cálculos estruturais, de realidade virtual, de gestão de obras, de orçamentos, de projetos em três dimensões e outros convivem hoje na construção civil brasileira com processos artesanais. De outro lado, o país praticamente explode numa corrida à Internet, tornando-se um dos eldorados mundiais dos grandes garimpadores de oportunidades nas comunicações, a indústria do próximo milênio, bem retratada pela Internet.

Aparentemente dissociados, esses dois cenários na verdade só não se encontram por timidez. A mudança para a industrialização está em curso, a comunicação entre os chamados "atores da cadeia produtiva" já não é tão rara. Só falta juntar todos os ingredientes numa receita única, num só caldeirão, que poderia se chamar Internet. Mas há indicadores de que é aqui mesmo, no Brasil, que a construção civil pode estabelecer a grande ponte, vencendo distâncias que países mais avançados, nos dois setores, ainda lutam por transpor.

Ao decidir em julho passado pela Internet como o meio principal para a campanha de lançamento do seu edifício Palais des Arts, a construtora Tecnisa não estava empreendendo nada muito diferente do que fazem algumas outras dezenas de construtoras paulistas. O que a fez conquistar o prêmio Master 99 categoria Marketing Imobiliário foi, além da plasticidade, o movimento que aplicou ao seu site. Mais do que troféus, a iniciativa conquistou foi um rápido retorno de vendas: em quinze dias, os usuários da Internet haviam adquirido na planta (seria mais adequado dizer "na tela") 23% do total de unidades postas a venda, realizando praticamente toda a expectativa da construtora, que previa sensibilizar por esse canal não mais que 30% dos compradores dos apartamentos do edifício. A construtora já decidiu: daqui para a frente, cada lançamento seu terá um site exclusivo na Internet.

Se não se quisesse dar nenhum crédito a uma bem estruturada campanha de marketing, o sucesso do empreendimento poderia ser atribuído à verdadeira febre com que o Brasil se atira à Internet. São 3,4 milhões de usuários brasileiros que se aventuram na rede, de acordo com dados recentíssimos (agosto/99) de pesquisa do acreditado IBOPE - Instituto Brasileiro de Opinião Pública e Estatística. Bem menor, mas muito mais representativa do que esse enorme contingente, é a fatia de domínios da Web, ou seja, os endereços. São oficialmente contados 310 mil domínios brasileiros na Internet, de acordo com informação do presidente da recém-criada (significativamente) Associação Nacional dos Usuários da Internet, ANUI. "Este é um mercado que cresce muito mais rapidamente que o número de usuários", informa o presidente da ANUI, Raphael Mandarino Junior. "Nosso crescimento, em quantidade de domínios, é de 10% ao mês. Devemos fechar este ano, em relação ao ano passado, com um crescimento de 180%!".

Segundo dados divulgados em meados de agosto/99 pela International Network Wizard, o Brasil já ocupa a 14ª posição no ranking mundial de usuários da Internet. Trata-se de um salto de quatro degraus, para quem estava em 18º lugar em 1988 e que deixou para trás, de um só golpe, a Espanha, a Dinamarca, a Bélgica e a Suíça.

Nas Américas, estamos numa posição melhor que a conseguida nos últimos jogos Pan-Americanos: ganharíamos hoje a medalha de bronze de usuários da Internet, superados apenas por EUA e Canadá. A bem da verdade, como observa Mandarino, somos algo um pouco mais significativo do que apenas o primeiro mercado de Internet de toda a América Latina - o que chega a ser espantoso é que o Brasil possui mais de 50% de todos os computadores da região plugados na Internet.

Os números de Mandarino são corroborados por Antônio A. V. Tavares, presidente da Abranet - Associação Brasileira dos Provedores de Internet. Tavares prevê que rapidamente - até o final de 1999 - os internautas brasileiros deverão chegar aos 5 milhões e, ao final do ano 2000, ao total de 20 milhões. "Ou seja", sublinha o presidente da Abranet, "muito em breve, quem não estiver de alguma forma plugado na Internet eqüivale a ser o analfabeto de hoje. Serão os desconectados, em vez dos descamisados".

Pelas previsões de Tavares, a quantidade de provedores brasileiros deve seguir a mesma curva que seguiu em países mais avançados, reduzindo-se no final do milênio à metade do que é hoje. Esse emagrecimento do número de provedores, entretanto, em vez de denotar compressão do mercado, costuma significar sua ampliação. "O que está ocorrendo no Brasil", explica Tavares, "é o processo de consolidação, feito de fusões e aquisições. O mercado só deve voltar a crescer pouco mais à frente, com a atuação de provedores iniciantes, de características apenas regionais".

Para o contundente Tavares, os fatores que determinam isso são principalmente o aspecto da competição, da competência e do talento, mas, acima de tudo, dos recursos. "Nós estamos num país em que o acesso aos recursos não é fácil", assinala o presidente da Abranet. "E esse é um fator determinante de competição. Nem sempre o talento corresponde à maior capacidade de competição. Mas quem está no mercado não pode fugir a essa realidade". A leitura nas entrelinhas dessas declarações denota um temor explícito de que descomunais provedores internacionais ou nacionais possam desalojar do mercado, como num passe de mágica, a legião de pequenos e médios que ainda subsistem. Ficariam apenas uns três ou quatro, escorados em estratosféricos investimentos em tecnologia de comunicações, entre as quais a Internet a cabo, associada a poderosas redes de TV. O que sobra para os usuários, entretanto - não afastada inteiramente a hipótese de domínios pouco éticos desses meios - é um formidável impulso tecnológico à comunicação via Internet. A Web tenderia a multiplicar por 50 ou 100 seus padrões atuais de velocidade e a facilidade a banalizaria ao nível de um controle remoto de TV.

Diante de todo esse cenário, de explosão do acesso à Internet, de seleção e de acirramento competitivo num meio que se anuncia como o da comunicação do futuro, como se comporta a construção civil do Brasil?

A construção civil brasileira está longe de se comparar a um setor financeiro, que já começa a servir a seus clientes o sofisticado home banking como se fosse uma commodity. Mesmo assim, há sinais de que se prepara no segmento uma ofensiva aos estoques de meios de disseminação e tratamento das informações. As causas são variadas, mas uma delas ficou visível no seminário 1º Eiti.com.br, promovido pela consultoria NBS Tech com apoio do SindusCon-SP em maio/99 em São Paulo. A avalanche de softwares de projeto, de gestão, de cálculos e de ferramentas computacionais de todo tipo deixou nos participantes a sensação de assistirem a uma espécie de estouro da boiada, um mar de forças sem controle. "A maior dúvida não é adotar um programa, por exemplo, um gerenciador de obra", comentava um construtor participante do seminário. "É saber escolher um, em detrimento de outro. E, mais que isso, sentir que falta a todos eles um meio comum, em que todos se encontrem e conversem numa mesma linguagem, ao alcance de todos".

A Internet seria esse meio, de acordo com o construtor. Exemplificaria um tipo de turbina que, aberta, poderia dar vazão ao variado represamento de programas confinados hoje em discos de toda ordem. "Chega de ligar para a pizzaria e eles me mandarem esquadrões de motoqueiros entregando pizzas aos pedaços", comparou o participante. "Quero a pizza inteira".

Interpretando um pouco esse desejo, o SindusCon-SP pouco depois empreendeu uma pequena enquete entre seus associados, na tentativa de identificar quem possuía endereços na Internet. O móvel da pesquisa foi que as empresas passassem a receber via Internet o informativo interno ConstruFax, distribuído pela entidade a seus associados duas vezes por semana. A resposta obtida, pouco mais de 1%, pode ser significativa do ponto de vista de quem está acostumado a lidar com mala direta. Mas o que uma visita aos sites levantados demonstrou de mais significativo é que, efetivamente, os construtores que estão pioneiramente caindo na rede vão poder ampliar em muito suas possibilidades, tanto do ponto de vista da técnica do meio quanto da seleção dos conteúdos e de seus usos.

O que mais ressalta de todas as descrições de conteúdos dos sites é a utilização puramente institucional (o que Antônio Tavares qualifica como "folheto eletrônico") ou, no máximo, iniciativas de marketing e venda, naturalmente utilizadas por construtoras que se dedicam há tempos e já clamam por iniciativas mais ousadas.

No longínquo ano de 1997, num trabalho intitulado "O Papel da Tecnologia da Informação na Coordenação de Projetos de Edifícios" (17º Encontro Nacional de Engenharia de Produção, Abepro, Gramado, RS), os estudiosos Ana Lúcia Rocha de Souza e Silvio Burratino Melhado, da Escola Politécnica da USP, sem mencionar uma só vez a palavra Internet, já defendiam a "engenharia simultânea", o trabalho em equipe com caráter multidisciplinar e o projeto voltado para a produção, ressaltando o "uso do computador como um importante instrumento" para a "comunicação envolvendo a integração de vários conhecimentos especializados e a compatibilização das decisões tomadas pelos especialistas das diversas disciplinas de projeto". Se, naquele momento, não ocorria aos pesquisadores é porque provavelmente nem mesmo o estágio precário das comunicações brasileiras de então permitia grandes vôos, correto?

Nem tanto. Não há porque desmerecer o Brasil, seja pela precariedade de instrumentos, seja por alguma eventual falta de iniciativa. A construção civil do Reino Unido de hoje, uma das mais industrializadas do planeta, um dos campeões mundiais de uso e tecnologia aplicada à Internet, também não está com essa bola toda. É o que acaba de afirmar (agosto/99) o insuspeito Dr. Ghassan Aouad, professor do Departamento de Gerenciamento da Construção e da Propriedade da Universidade de Salford, Grã-Bretanha. Para o categorizado visitante, em palestra apresentada no Seminário "Planejamento e Controle da Produção para a Construção nos Anos 2000" (SindusCon-SP, agosto/99, Instituto de Engenharia, São Paulo, SP), a construção civil da comunidade britânica se encontra, apenas, no estágio das experiências com realidade virtual, três dimensões, etc. Mesmo assim, só para objetivos de marketing. Ou seja, nada muito diverso do Palais des Arts.

Advertindo que lá - lá, hein! – existe um enorme fosso entre a universidade e o dia-a-dia da indústria e que as grandes questões são o treinamento e a transferência de tecnologia, o Prof. Ghassan sugere que as aplicações atuais (orçamentos, gerenciamento financeiro, projeto, planejamento, etc.) da tecnologia da informação sejam não redirecionadas, mas aproveitadas também em outros campos.

Quais? "Nos aspectos técnicos da construção civil", registra ele, "como a simulação, a visualização de projetos, a comunicação, a rápida criação de modelos ou de protótipos". Para o professor de Salford, as tecnologias disponíveis na rede permitirão (em sua opinião só lá por volta de 2010 - há quem conteste e antecipe isso) a formação de equipes virtuais, trabalhando com realidade virtual, projetos em 3D, bancos de dados integrados, etc. Em suma, a típica e-constrution ou construção eletrônica. Via rede, naturalmente.

A realidade catapultada pelo professor árabe-britânico para daqui a onze anos talvez esteja virtualmente mais próxima de nós do que se possa imaginar.

"O que a gente tem hoje, aqui no Brasil, para a nossa construção civil, em termos de programas, de softwares, já possibilita tudo isso", garante Marcelo Westermann, professor da FAU-USP e da FAAP e (quem sabe por força das condições brasileiras realizando com facilidade aquela difícil passagem inglesa da universidade para o dia-a-dia) projetista do Escritório de Arquitetura EGC. "A gente já tem tudo à mão, só falta usar. Precisamos apenas quebrar os costumes arraigados".

Marcelo não fala em equipes virtuais, mas em projetos colaborativos, o que vem a dar na mesma. "Cada projeto", diz ele, "pode ter seu FTP (file transfer protocol), o que significa algo como uma sala reservada, um banco exclusivo, onde só entra quem tiver a chave ou senha correta". Com isso, ele garante que estariam preservadas as condições de segurança que tanto afligem usuários da Internet. "Podem ser estabelecidos níveis de entrada e de intervenção no projeto. Um calculista ou projetista, por exemplo, pode não só acessar como alterar o projeto, com as informações sendo instantaneamente atualizadas para todos os demais usuários com acesso".

Para ninguém imaginar que se trata aqui apenas de tecnologia, não de gestão da qualidade, Marcelo Westermann sugere que esse sistema faria as delícias de quem se envolve com a certificação ISO. Facilitaria a atualização e disseminação de documentos e procedimentos, para aplicação instantânea.

Tudo isso sem que tenha havido nenhum contato físico, mas com uma comunicação tão instantânea e eficiente quanto a de uma reunião formal. "Mais eficiente", comenta Marcelo. "Porque as decisões podem ser transformadas imediatamente, no exato momento em que são geradas, em procedimentos executivos".

Estamos falando, aqui, de comunicação de empreendedor / construtora / arquitetos / calculistas de estruturas / projetistas de instalações / engenheiro de obras / mestres etc. Chega-se, assim, perto de um dos sonhos da moderna construção civil plenamente industrializada, a "engenharia simultânea". Isto é, o projeto sendo elaborado praticamente junto com a construção.

As vantagens são evidentes. Velocidade de processo, facilidade de acesso, de operação, de manutenção e de atualização, redução de custo e aplicabilidade são questões que apontam fortemente para o uso mais intenso da Internet entre as construtoras.

Segundo Marcelo, essa utilização até já acontece. O problema, explica ele, é a falta de integração e, principalmente, que a coordenação não está nas mãos de quem deveria estar: o coordenador do projeto. Na opinião do projetista, embora admitindo que isso poderia dar eventualmente um excesso de poder ao escritório de arquitetura, essa coordenação "deveria efetivamente ficar com o projetista, que é quem acaba dominando todas as diferentes fases do projeto".

São evidentes as dificuldades, digamos, políticas de uma centralização de poderes como a sugerida pelo projetista. Mesmo assim, ele acha que não é esse o maior empecilho. "É mais que evidente", diz ele, "que a internetização é algo que está ligado a uma construção industrializada, que passa longe dos modelos artesanais em que ainda grande parte do setor está mergulhada. O nó é o processo".

"É preciso revolucionar o processo", inflama-se o professor-projetista. "Tudo aquilo que a gente não resolvia em termos de projeto e deixava para a obra, agora é possível resolver, com a participação do cliente, da construtora, de todo mundo que tenha alguma contribuição a dar ao projeto. Resolve-se na maquete".

A pregação final do projetista, porém, é de que é preciso utilizar essa nova ferramenta com toda a sua potencialidade. "Não podemos fazer experiências, usos tímidos", quer ele. "A Internet permite uma visão ótima, completa, de qualquer projeto. Não podemos desprezar todo esse potencial, fazer o projeto por computador e visualizar o resultado no papel. Tem que visualizar na tela, continuar atrelado às folhas. É como acessar o nosso banco on-line e mandar imprimir o extrato para conferir".

Sem nenhuma pretensão de pesquisa científica e sem a menor intenção para uma análise crítica ou o estabelecimento de juízo de valor, a relação de sites de construtoras a seguir é feita a título de amostragem do que une hoje a construção civil à Internet. A origem da lista é a resposta casual a uma consulta do SindusCon-SP entre as empresas associadas, com o objetivo de envio, por meio da Internet, do informativo bissemanal ConstruFax. O universo é pequeno, exatamente igual à quantidade de empresas que manifestaram seu interesse no recebimento do informativo pelo novo meio (e já o estão recebendo).

Apesar disso, o esquadrinhamento dos conteúdos denota um certo padrão de escolhas de figuração na Internet, o que, pelo sim ou pelo não, aponta caminhos e sugere alternativas às muitas empresas que ainda não se atreveram a entrar nos domínios da rede.

A forma como os conteúdos dos sites podem servir a ações de qualidade na gestão técnica, administrativa ou negocial de outras empresas é absolutamente individual.
Fonte: Revista Qualidade na Construção - SindusCon/SP - nº 19 - Ano II - 1999.
Imagem Imagem GUIA DA OBRA - Tudo sobre Construção e Reforma

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